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sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Gorda não é xingamento


Eu lembro até hoje...
Devia ser 3ª. Série ou por aí... Estudava no colégio Metodista, era hora do recreio, entrada ou saída... a cena se repetia em momentos diferentes do dia... eu correndo atrás dos meninos que gritavam “Gor-da, balei-a, saco de arei-a!”
Eu lembro que morria de vontade de chorar, mas fazia cara feia e dava uns socos nos meninos que eu conseguia pegar. Chorava antes de dormir. O ano seguinte eu passei todos os recreios na biblioteca fugindo de situações como essa.

Eu deveria ter uns 10 ~11 anos, no gramado clube que era sócia... Minha mãe passando filtro solar em mim e ao chegar na minha barriga meu pai solta “Vish... pra cobrir tudo isso aí precisa de pet dois litros...!” Algumas cenas semelhantes depois, eu nunca mais passei filtro solar na frente dele (ou de qualquer outra pessoa): ia até o banheiro fora do gramado e só passava filtro solar quando ninguém estava olhando.



Ensino médio, bat caverna (uma sala que ficava no meio dos laboratórios de mecatrônica) acho que era no 2º. Ano, 15 anos. Meninos tinham feito a eleição de meninas mais bonitas.... Eu entrei na lista, poucos votos, mas alguém tinha falado meu nome. Uma das meninas não entrou, ou ficou com menos votos, não lembro direito. Só lembro de estar chegando na sala e ouvir a frase “... feia e  gorda... só votam pq tem peito grande... além de tudo é caído” Sim, estavam falando de mim.

Acabou o colégio. 17 anos, com emprego de carteira assinada , comendo todo dia um lanche no ônibus pra dar tempo de chegar no cursinho e estudar para passar numa universidade, um namorado que eu amava. E que me dizia o quão gorda eu estava. Eu tenho 1,58 e na época tinha coisa de 57kg. Alguns meses depois eu parei de comer. Não, não digo que parei de comer besteira. Eu PAREI DE COMER. Ficava dias sem comer. Ia a pic nics gigantes... fazia lanches deliciosos... E não dava nenhuma mordida. Fiz a descida da serra a pé, e nesse final de semana a única coisa que comi foi um daqueles shakes para emagrecer. Cheguei a desmaiar em shows. Tomava uma caipirinha e cambaleava de bêbada e vomitava. Cheguei nos 52kg. Super decepcionada. Minha meta era chegar nos 49kg.

21 anos, faculdade, terminei o namoro. Estava feliz. Mas com 55kg me achava obesa. Só usava batas. Vestidos largos. E morria de vergonha. Biquíni nem em um milhão de anos.

Namorado novo, 22anos. Que não cansava de falar o quanto eu era gostosa. 59kg. Eu não acreditava muito. Mas depois comecei a acreditar. Amadureci um pouco, não ligava muito para o que eu outros diziam. Eu queria estar bem enquanto estivesse sendo reafirmada por ele. Crise no namoro (a distancia): ansiedade, comia por compensação, o dia inteiro. Gastava todo meu dinheiro com guloseimas. Mas fiquei mais de um ano (jun/2010 à ago/2011) sem me olhar no espelho ou subir em uma balança.

Acabou o namoro, me olhei no espelho e não reconheci. Subi na balança: 73kg. Fiquei pior ainda. Comia mais ainda. Comecei a fazer terapia, meu maior medo era a balança. Tentava dietas, não conseguia.

Saí da casa dos meus pais... Sem a pressão e o julgamento diário, me senti mais livre pra ter meus próprios pensamentos...E aí eu comecei a pensar... ler... tentar tirar esse véu de desaprovação que eu jogava em mim mesma -lógico que o antidepressivo ajuda bastante... Rs. Subi na balança: 76kg.
Comecei a me olhar mais no espelho. Não só olhar, mas espiar. Porque “olhar a gente olha mesmo quando não quer, espiar é aquele ato totalmente voluntário com objetivo de análise”[1]. Gostar das minhas curvas. Gostar de me apertar. Aos poucos e sem muita pressão, perdi o excesso de peso.  Mas como sempre na casa dos meus pais não havia elogios, o comentário é “você está emagrecendo demais.”. 67kg.

2012, competição no trabalho para ver quem perdia mais peso. Olha a pressão: antes mesmo de começar direito engordei 2kg. Pesagem oficial: 69,6kg. Dois meses de prazo. Não emagreci um grama. Ninguém falou mais nada. Não houve pesagem final ou me esqueceram. Mas não me importei muito com isso. Continuava cada vez mais, mais consciente. Tentando colocar na minha própria cabeça que eu não tinha que satisfazer ninguém com meu corpo. E para afirmar isso, depois de 23 anos usando longos cabelos; cortei. Na altura da orelha. A um passo do “joaozinho”. Ignorava os comentários de “seu cabelo era tão lindo...” e também os “nossa como ficou bom”. Não importava. Eu gostava. Me reconheci no espelho depois de muito tempo sem saber o que era isso. 

Na páscoa o Tutu (meu avô por parte de mãe) me diz “Emagreceu, cortou o cabelo... agora só falta arranjar um namorado” Eu respondi que não queria. E pela primeira vez na vida era verdade. Eu não precisava disso... Aos poucos eu tinha aprendido a gostar da minha própria companhia. Depois de meses morrendo de vergonha indo a restaurantes sozinha, hoje eu acho uma delícia faze-lo. Minhas noites depressivas sozinha em casa se tornaram uma oportunidade pra eu me curtir, ficar de pijama em casa... curtir meu gato, minha cama... e eu mesma. Duas semanas depois Tutu faleceu.

Greve na faculdade. Mudei de apto. Com tempo livre comecei a andar pra casa da estação... pensando na vida... cantando em voz alta. Perdi mais peso. E o que aconteceu foi que minha disposição só aumentava. Os três lances de escada que eram um sacrifício hoje eu subo saltitando. Minhas roupas mudaram. Uso roupas justas se me sinto bem. E não me importo com o que os outros pensam. Uso saias curtas pra sair se me da vontade, não me importo que achem minha perna gorda. Eu acho grossa. E adoro. 

Fui pro Rio. Usei biquíni. Andava de biquíni pela cidade. E quem não goste de ver minhas gorduras que olhe para o lado. Tirei foto de corpo inteiro (meu Deus, havia séculos que não fazia isso) DE BIQUINI! E ainda por cima coloquei no Facebook. Pra quem quiser ver. Vergonha do meu corpo? Hahahahaha...  O biquíni era lindo, e o sol estava uma delícia... É o retrato da minha viagem, e quem não gostar que não olhe.

É complicado como a “sociedade” faz com que a gente se sinta mal com a gente mesmo. Hoje eu sei que a sociedade não paga minhas contas. Hoje eu sei que um homem de verdade não se importa com uns quilos a mais. A melhor parte de emagrecer conscientemente foi poder dar pé na bunda de todos aqueles que nunca me olharam quando estava acima. Ou melhor ainda, daqueles que me desejavam qndo eu namorava e estava mais magra e quando fiquei solteira mais estava mais gorda subitamente perderam o interesse em mim e queriam ser “só amigos”.

Hoje eu tenho um homem maravilhoso na minha vida. E bem no começo eu lembro que ele gaguejou na hora de falar das minhas gorduras, e eu disse “Relaxa... pode falar... gorda não é xingamento. Eu sou gordinha sim... E não tenho problema nenhum com isso (olha o diminutivo pra ‘diminuir’ o teor ofensivo do termo – eu tenho muito o que aprender ainda)”. Realmente não tenho. Hoje me sinto bem com o espelho, comigo mesma e todos os meus 61kg. Eu deixo a luz acesa, eu NÃO TENHO PORQUE SENTIR VERGONHA. É o MEU corpo. Não vai ser igual ao das modelos. E nem quero: coisa chata ser igual a todo mundo! E quem estiver comigo vai ter que gostar de como eu gosto do meu corpo. Nem mais gorda, nem mais magra, nem com cabelo mais cumprido ou curto, fio dental ou calcinha bege, vai ter que gostar de mim assim: feliz.


E você que acha esse post um blablabla pra justificar minha ‘gordice’; guess what? I dont fucking care.

4 comentários:

  1. Parabéns pelo post. Engraçado como muda o lugar, mas não mudam em nada as atitudes e palavras das pessoas, essa poderia facilmente ser a história da minha vida e de mais um monte de meninas por aí.
    Continue assim, aprendendo e segura de si!
    bjo

    garotasrosachoque.com.br

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  2. Querida a alguns meses cheguei aos 56 quilos e tenho a mesma altura que você, e não fiquei nem um pouco gorda.Não sei em que mundo paralelo você vive pq eu sempre fui magrela e quando engordei e fiquei com 56 só eu me achava gorda. Nunca me xingaram e quando eu disse que ia perder peso as pessoas disseram que não era necessário, inclusive um médico.

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    1. Twiggy, acho que você não entendeu.
      Eu disse que ME ACHAVA obesa. Hoje, olhando fotos, sei que não estava. Hoje, com 65kg, também não acho. Veja, são 10kg de diferença, e estou muito bem, obrigada.
      O que muda não é como estou fisicamente, mas como me sinto, entende? Da mesma maneira que voce diz que NÃO ESTAVA gorda, diz que SE ACHAVA gorda. É a mesma coisa.
      Eu vivo no mesmo mundo que você, como você mesma disse,sempre foi magrela: por que te xingariam?
      Vivo no mundo no qual (principalmente) as mulheres são sempre influenciadas a estarem sempre seguindo um 'padrão' de beleza, magreza, etc.

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